segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Getúlio Vargas



Permite tantas abordagens e, quanto a todas, as torna insuficientes, quando não crônicas.

O mito se sobrepõe à divisão de classes, é tributário ao lugar onde se formou. O Rio Grande do Sul foi o único endereço das idéias de Comte. A forte penetração do positivismo na elite política gaúcha do início do século passado, levando-a a ver no Estado um consenso que deveria corrigir as injustiças de um esforço de industrialização e manter a coesão social, uma entidade autônoma acima dos interesses de classe, fez com que a questão social deixasse de ser um caso de polícia e nos ajuda a compreender as reformas do trabalho e da previdência executadas por Vargas.

O desprezo pela democracia formal, que descia pelo ralo do liberalismo incapaz de fundamentar a nova fase do imperialismo, agressiva, fascista, era em Vargas a espera da oportunidade para superá-la. Getúlio é seu chefe de polícia Filinto Muller, seus chefes militares Goés Monteiro e Dutra, as cadeias cheias de comunistas, Graciliano preso, Estado Novo, mas é também o nacional-estatismo, o IPHAN, o modernismo em arte e arquitetura, a CLT. É um impulso para desenvolver no país um capitalismo industrial por substituição de importações (ISI), com orientações de proteção social.

A propósito, qual o papel do trabalhador no nacional-estatismo? São os “amarelos” que, no ínicio do século XX,  praticamente perderam o registro pela hegemonia de disputa entre anarquistas e comunistas? Sujeito ou objeto? Interação ou manipulação?

Há uma historiografia relativamente recente, feita basicamente na UFF, por Jorge Ferreira, entre outros, , segundo à qual o nacional-estatismo era uma relação entre sujeitos, assimétrica, mas suficiente para caracterizar uma interação. Assim, não haveria capacidade explicativa no conceito de populismo da chamada “sociologia uspiana”, de Welfort e Ianni, o qual simplesmente reduz os trabalhadores a mero objeto inconsciente de manobra do chefe carismático, numa espécie de “política de massas da burguesia”.

Admitido o trabalhismo como uma corrente de esquerda, não marxista, de que modo disciplinar a propriedade como fonte do processo de urbanização capitalista?
O grosso do operariado passa a ser justo o camponês de macacão que sai do campo, explorado e miserável, para servir à industrialização a partir de 30. Vargas, gaúcho, de um tipo de propriedade rural de qualidade distinta da do resto do pais,  não pode mexer no campo, entre outras razões de força maior, por necessitar desse fluxo migratório de força de trabalho para a acumulação industrial que estimula.

O historiador Marcus Dezemone, analisando material de fonte oral de camponeses dessa época, nota, curiosamente, como estes reconheciam em Vargas uma espécie de protetor dos seus direitos contra o latifundiário, embora a legislação social só seria definitivamente estendida ao campo com o governo João Goulart (1961-1964) no Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963. Talvez não estivesse aí, numa das famosas artimanhas de Getúlio, mais uma tentativa de proteção à força de trabalho pelo equilíbrio da oferta, na busca de reduzir o estoque de reserva de braços que a desvalorizaria?

O salário mínimo consistia na estipulação do valor necessário á reposição do desgaste do trabalhador. Com o camponês dispensado da obrigatoriedade de usar macacão, Getúlio não estaria pensando reforçar os mecanismos de proteção ao mundo do trabalho?

São especulações que morreram junto com Getúlio Vargas, na bala com que se suicida por ter voltado, anos depois - a burguesia contraditória e heterogênea que patrocinara querendo-lhe o sangue -, conforme Samuel Wainer, em “Minha razão de Viver”, agora, 1950, eleito maciçamente pelo povo em pleito direto, como “líder de massas”.


SRN

Nenhum comentário:

Postar um comentário