Outro
dia, na CCS/A, no nono, na UERJ, consultava “Liberalismo e Democracia”, de
Norberto Bobbio, e “O Liberalismo Político”, de John Rawls.
Bobbio,
após tanto contorcionismo de reverência à boa consciência, conclui, a
contragosto, que, no liberalismo, por mais que se tente, liberdade e igualdade
são incompatíveis, pois a substância daquela é a diferença que se concretiza,
naturalmente, na desigualdade.
Já
Rawls entende “a justiça como equidade como uma forma de liberalismo político”.
E sua viabilidade decorreria de um “pluralismo razoável”, “doutrinas
abrangentes profundamente opostas”, porém, factíveis, e que acabam por
conviver, endossando “a concepção política de um regime constitucional”. É o
liberalismo político que tenta encontrar respostas sob a forma de um consenso.
Rawls aponta a historicidade do processo. Considera que a modernidade conhecera
um fenômeno novo na história: a Reforma do século XVI, produzindo uma fratura
no cristianismo medieval e criando um choque entre “religiões salvacionistas,
doutrinárias e expansionistas”. Neste contexto, a gênese do liberalismo em
geral, com “as longas controvérsias sobre a tolerância religiosa nos séculos
XVI e XVII”. Dizendo melhor: a coexistência de heresias que se excluem. Segundo
Rawls, é a partir dessa experiência histórica, na construção de instituições
liberais no tempo, que o “pluralismo razoável” demonstra ser possível garantir
“a unidade e paz social”, pois, até então, apenas a intolerância era a
garantia.
A
ilação que se extrai, tanto de Bobbio, quanto de Rawls, é que a tolerância, que
viabiliza a liberdade, exige um consenso entre heresias relativamente ao
inegociável. Chegamos ao limite. Nada pode ser feito além da “equidade como
justiça”. Mas, equidade não é igualdade nem poderia ser, pois se fosse, o
liberalismo mataria aquilo que o fundamenta que é a liberdade baseada na
diferença que, em consequência, produz a desigualdade, o que é muito natural,
daí uma sociedade hierárquica e com a justiça possível. O que temos, portanto, em sua reprodução
social, é uma organização do trabalho para a produção de um excedente que é
apropriado de acordo com uma sociedade com estrutura de classes. Não há aqui
nada garantido. A dinâmica social é uma luta constante por maior participação
das classes na apropriação do excedente socialmente produzido. O conflito
distributivo é permanente e nunca será superado porque a liberdade exige sempre
hierarquia e desigualdade.
Aí,vem
o Velho Alemão é escreve a síntese magistral em ‘Crítica do Programa de Gotha”:
“De
cada um, segundo sua capacidade. A cada um, segundo sua necessidade.”
A
produção material da sociedade não está condenada a organizar a força de
trabalho para um excedente apropriado desigual e hierarquicamente. Cada um
contribui com sua capacidade, mas consome e utiliza o que precisa, de tal modo
que o excedente produzido dará pra satisfazer a necessidade de todos. Ingenuidade?
Uma
coisa que o Alemão não era. Assim como muitos outros. Polanyi também escreveu
que a Revolução Industrial passa a organizar a sociedade numa ampla economia de
mercado, em que tudo é comprado e vendido. A fome e o lucro passaram a
fundamentar a motivação econômica como a maior de todas, a premissa social, por
excelência, tal como, no passado, “a coragem para o cavaleiro, a piedade para o
sacerdote, o brio para o artesão”.
O
jogo político está tenso. Ficamos mesmo reduzidos a uma disputa em torno de
forças que melhor se habilitam à gestão de uma democracia liberal - de marchas
e contra-marchas, em que o regresso é sempre uma possibilidade - agravada ainda
mais pelas especificidades de um capitalismo tardio?
SRN
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