terça-feira, 10 de março de 2015

Hannah Arendt ajuda na crítica ao Mito do Cartunista Iconoclasta Libertário

Uma das conseqüências do assassinato dos cartunistas franceses e agora das críticas ao Chico Caruso é refletir sobre o mito do suposto cartunista iconoclasta libertário, como se fosse portador de uma pureza incondicional, livre de qualquer condicionamento externo, a que nada nem ninguém pode macular na sua perfeição.

São vários aspectos, mas, pruma postagem de blog, seguem apenas dois, com uma fundamentação de peso. Refiro-me à Hannah Arendt. Nela, o conceito de política parte da idéia republicana que articula esfera pública, ação e cidadania. Em outras palavras: o espaço público, pra Arendt, não é dado nem espontâneo nem natural, mas construído pela ação e pelo discurso (verbal, textual, imagético) permanentes, cotidianos. Daí que um cartunista, por exemplo, não se separa daquilo que expõe, por mais honesto que seja na vida pessoal.

O primeiro aspecto, portanto, diz respeito à infantilidade da pureza de sua ação. Como uma criança, pode fazer o que quiser, sem contra-partida. Tão infantil é também o argumento que a sustenta, anunciado sempre com a pompa e circunstância pueril da obviedade: não há limites para a liberdade de expressão. Claro que não há. O cara pode publicar o que quiser e é nisso que consiste este esforço de construção difícil, penoso, do espaço público a que se refere Arendt. Não se trata de censura. Apenas que ninguém é vaca sagrada de loja de brinquedo pra não ser capaz de suportar as condições de crítica  que exige para o exercício do seu próprio trabalho. E se o Chico recebeu críticas pesadas é tão somente pela visibilidade de seu tamanho como artista. Que mal há nisso?

A questão do panfleto é o segundo e último aspecto e que remete a um problema anterior que é a discussão confusa, de briga de botequim, que embaralha conceitos e posições. É preciso deixar bem claro sobre o que se fala quando confundimos panfleto com espaço público. Defender a manutenção da estabilidade democrática, do resultado das urnas nada tem com defesa panfletária do Governo Dilma. Panfleto é o que faz, por exemplo, os tarefeiros do PT, os quais, aliás, agem exatamente como os imbecis analfabetos do impeachment. Tal confusão é própria de mais de 20 anos de ditadura em que perdemos o costume do debate, da divergência, do acirramento e antagonismo de posições, sempre dentro das regras democráticas. O que esses idiotas anlfabetos não entendem é justo esta diferença. Ou, então, tanto purismo encarniçado não passa de farisaísmo. Ou falta de leitura. Por exemplo, Hannah Arendt, que, por sinal, nunca foi de esquerda.

SRN




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