Uma
das conseqüências do assassinato dos cartunistas franceses e agora das críticas
ao Chico Caruso é refletir sobre o mito do suposto cartunista iconoclasta
libertário, como se fosse portador de uma pureza incondicional, livre de qualquer
condicionamento externo, a que nada nem ninguém pode macular na sua perfeição.
São
vários aspectos, mas, pruma postagem de blog, seguem apenas dois, com uma
fundamentação de peso. Refiro-me à Hannah Arendt. Nela, o conceito de política
parte da idéia republicana que articula esfera pública, ação e cidadania. Em
outras palavras: o espaço público, pra Arendt, não é dado nem espontâneo nem
natural, mas construído pela ação e pelo discurso (verbal, textual, imagético)
permanentes, cotidianos. Daí que um cartunista, por exemplo, não se separa
daquilo que expõe, por mais honesto que seja na vida pessoal.
O
primeiro aspecto, portanto, diz respeito à infantilidade da pureza de sua ação.
Como uma criança, pode fazer o que quiser, sem contra-partida. Tão infantil é
também o argumento que a sustenta, anunciado sempre com a pompa e circunstância
pueril da obviedade: não há limites para a liberdade de expressão. Claro que
não há. O cara pode publicar o que quiser e é nisso que consiste este esforço
de construção difícil, penoso, do espaço público a que se refere Arendt. Não se
trata de censura. Apenas que ninguém é vaca sagrada de loja de brinquedo pra
não ser capaz de suportar as condições de crítica que exige para o exercício do seu próprio
trabalho. E se o Chico recebeu críticas pesadas é tão somente pela visibilidade
de seu tamanho como artista. Que mal há nisso?
A
questão do panfleto é o segundo e último aspecto e que remete a um problema
anterior que é a discussão confusa, de briga de botequim, que embaralha
conceitos e posições. É preciso deixar bem claro sobre o que se fala quando
confundimos panfleto com espaço público. Defender a manutenção da estabilidade
democrática, do resultado das urnas nada tem com defesa panfletária do Governo
Dilma. Panfleto é o que faz, por exemplo, os tarefeiros do PT, os quais, aliás,
agem exatamente como os imbecis analfabetos do impeachment. Tal confusão é
própria de mais de 20 anos de ditadura em que perdemos o costume do debate, da
divergência, do acirramento e antagonismo de posições, sempre dentro das regras
democráticas. O que esses idiotas anlfabetos não entendem é justo esta
diferença. Ou, então, tanto purismo encarniçado não passa de farisaísmo. Ou falta
de leitura. Por exemplo, Hannah Arendt, que, por sinal, nunca foi de esquerda.
SRN
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