sexta-feira, 11 de junho de 2010

"Celacanto provoca maremoto"


Lembram-se de como choveu. E do gol do Adriano que viabilizou o do Vagner Love em São Paulo.

"Celacanto provoca maremoto" parecia uma senha e estava em todo canto. Nas pedras da Niemeyer, nos tapumes das obras do metro na Sãens Pena. A ditadura militar, que via comunista ainda em fraldas, aumentava a tensão. "Celacanto provoca maremoto": qual organização? Qual célula?

Era só uma frase. Iconografia carioca que se perdeu, ao estilo das que escrevia no viaduto do Caju o Profeta Gentileza, felizmente preservadas.

"Celacanto provoca maremoto", naquele dia do jogo, naquele mês pavoroso pro Rio, é uma senha que me ocorre, tantos anos depois, ao reconhecimento dos espaços populares como parte da cidade. O gol do Adriano, o Flamengo debaixo de chuva, o Rio debaixo de chuva, 66, 88, Morro do Bumba, Santa Tereza, de novo a natureza fazendo a crítica da conjuntura e, de novo, a culpa é do Rubro-Negro por insistir em querer morar. Estão dadas as condições objetivas para, sob pretexto de profilaxia, mandarem um discurso de remoção indiscriminada.

"Celacanto provoca maremoto" e a surdina harmon adelgaçava sons do trompete único de Miles Davis. Seu trompete pesquisava. Também, por pesquisa, o Carioca Maior, Niemeyer, ante os morros, a praia, pegou a curva da mulher carioca e a meteu no racionalismo modernista. O Intercontinental, por exemplo, arte dentro da arte, em São Conrado. Sempre tive o apelido de 28, que já nem atendo mais pelo meu nome. Lívia, a quem acabara de conhecer no prédio da Manchete (outra grande arte de Niemeyer, abandonada, ali no Russel), na noite mais concorrida do "Free Jazz":

"Foi ótimo 28 - na volta do show - eu nasci em Copacabana e vejo logo a Barata Ribeiro quando escuto "Round Midnight".

Martin Scorsese, Coppola, Circo Voador, a rádio Fluminense, Jamari França, no JB, brancaleone na defesa dos neófitos Renato Russo e Herbert Vianna, os primeiros passos que mudariam o estereótipo, já tentado contra a “Bossa Nova”, do que anacronismos persistentes admitiam por música nacional.


Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e ZICO; Tita, Nunes e Lico.

Voado. Batido.

Velho, piegas e diabético.



A Nau e a África

Por Tadeu dos Santos

Acabei de assistir ao filme Lackawanna Blues. Não deixe de conferir.

Lackawanna é um bairro da cidade de Nova York. O filme retrata a vida de pessoas que moram numa pensão a partir do relato de uma criança, digamos, adotada pela dona da pensão.

O filme é, decerto, incompreensível para pessoas antenadas que ouvem Beyoncé,
Snoopy Dog, Nelly, Usher e cia.

Imagine que lá só rola blues. O filme narra os dramas decorrentes da pobreza e seus efeitos (violência, bebidas etc), mas em nenhum momento se perde a humanidade das pessoas. O
humor, por incrível que parece, passeia por cada narrativa daquelas vidas ocupadas em dividir aquele espaço. Com um pouco de esforço você verá a poesia pairando no ar.

Os homens (bêbados, pobres, incultos) respeitavam as mulheres. À essa altura, você talvez esteja perguntando: E você afinal o que tem com isso? Desde quando reúne conhecimento para julgar os negros americanos e sua música?

E eu direi: Culpa do cinema e da música, minha amiga. Negros americanos são como os artistas brasileiros.

Não consigo deixar de concluir, por exemplo, (e eles são muitos) que os negros de Mississipi em Chamas são (em tudo) melhores que aqueles que vejo no TV Z. Numa entrevista B.B. King, afirma que está vivo graças à bondade de uns poucos brancos. Porque na sua infância, no sul dos EUA, um branco podia, ao seu alvedrio, matar um negro e a seguir ir pra casa jantar.

Pois foram aqueles negros que forjaram o Blues. Nenhum outro contexto teria permitido que o Blues tivessem a entonação melódica que tem. De igual maneira, somente aquele contexto viabilizaria as letras que você ouve no Blues.

John Lee Hooker, Albert Collins, Muddy Watters enfim... todos os grandes nomes do Blues buscaram inspiração na mesma fonte da injustiça. Já o pessoal do TVZ, tal e qual nossos atuais políticos beberam na fonte da igualdade,(que é muito boa, sem dúvida, mas enfraquece um pouco os espíritos.

Confira. É uma rara oportunidade de ver negro que é negro (e você não imagina o quanto me orgulho de minhas origens nesses momentos), música que é é blues e que uma das melhores maneiras de se aprender ainda é com o bom e velho filme.

Um comentário:

  1. Antônio, você escrevendo sobre futebol é um mixto de Gabriel Garcia Marquez com Eduardo Galeano e com doses de Jack Koureauc. Quem é mais novo ainda percebe em você de "quê" de escritor indie numa atmosfera rarefeita de palavras suficientes. Celacanto provoca maremoto" e a surdina harmon adelgaçava sons do trompete único de Miles Davis. Seu trompete pesquisava. Também, por pesquisa, o Carioca Maior, Niemeyer, ante os morros, a praia, pegou a curva da mulher carioca e a meteu no racionalismo modernista. O Intercontinental, por exemplo, arte dentro da arte, em São Conrado. Sempre tive o apelido de 28, que já nem atendo mais pelo meu nome. Lívia, a quem acabara de conhecer no prédio da Manchete (outra grande arte de Niemeyer, abandonada, ali no Russel), na noite mais concorrida do "Free Jazz" - essa vai para os clássicos da internet.

    Ah...eu tenho essa música "Round Midnight" (cantada pela Amy Winehouse). E já escutei Miles Davis. Sensacional.

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