Já afirmamos antes que o futebol, arte na sua mais íntima essência, não admite a ideia de progresso. Perceba-se que não estamos aqui a negar a importância da técnica enquanto instrumento hábil à produção artística.
Miremos no futebol. É o talento a argamassa que lhe fixa os contornos. Seria, no entanto, inteiramente descabido que viéssemos a menosprezar o desenvolvimento dos materiais esportivos.
As chuteiras são mais leves, tem design arrojado e a ergometria é perfeita. As bolas são mais velozes e mais facilmente direcionáveis. Os uniformes são mais leves, absorvem o suor e por tudo isso são mais confortáveis.
E o condicionamento físico? Os jogadores são mais fortes e mais velozes. As novas técnicas de educação física e a novel tecnologia de alimentos produziram atletas de ponta.
O desenvolvimento da técnica modificou, claro, a prática do futebol.
O raciocínio utilizado na explicação do binômio técnica/futebol pode ser espraiado a outros setores em que a arte se faz presente.
Por mais modernos e poderosos que sejam os atuais Home-Theater, com wireless, HDMI e outras coisitas mais, o som puro e sem dissonâncias que modernamente produzimos não teve ainda o condão de fazer com que surjam amiúde os Muddy Waters, Miles Davis, Elmore James, Etta James, J. B. Lenoir, Howlin’ Wolf, Freddie King e Albert King, dentre tantos outros. Ao contrário, vicejam por aí as Lady Gaga, Usher, Beyoncé e Cia.
A impressão que eventualmente se tem é que a arte parece andar na contramão da técnica. O desenvolvimento do aparato técnico parece ter o condão de embotar o talento.
Também com o cinema as coisas vão no mesmo passo. Filmes produzidos com a manipulação da mais moderna tecnologia, ao fim e ao cabo, revelam-se obras menores do que aqueles produzidos com um câmera e uma boa ideia.
Ouvimos a todo instante que o futebol evoluiu e que o futebol-arte é ineficaz e improdutivo. É passado. A modernidade consiste em dirigir o foco à defesa e nessa disputa de escolas, a europeia restou vencedora. A nós cabe apenas copiá-la. Se o circulo insiste em não encaixar-se no quadrado que lhe foi destinado, tanto faz. Basta insistir um pouco mais.
Bolas velozes, uniformes imunes ao suor e farta produção de atletas top não lograram ressuscitar o talento que talvez contaminado pelo saudosismo, vejo escassear por toda a parte.
A confusa mistura de técnica/arte faz com que diuturnamente traiamos o escrete de 1982. A grande magia do futebol também consiste na frequente presença do improvável, do inesperado. É um esporte extremamente democrático. Sua prática abre-se a pobres e ricos, altos e baixos, gordos e magros, pouco importa. Aqui a vitória também presta-se à redenção do mais fraco e, não poucas vezes, até mesmo do mais feio.
O placar, todavia, justificou a análise embasada no desenvolvimento linear da técnica de jogar futebol. Havíamos perdido o trem da história e o insucesso de 1986 confirmou essa desconfiança que então se fez certeza.
Desde então, atrelou-se o futebol jogado à brasileira ao nosso descompasso histórico.
Perdemos não pela simples razão de que esse é um dos resultados possíveis e decorrentes da disputa de um jogo de futebol, mas sim porque perdemos o trem da história. É europeia a fonte de onde virá o acerto redentor. Olvidam-se todos que se não fosse pela inteira ausência de molejo, ginga, perspicácia e TALENTO eles falariam o mais desabrido português.
Tadeu dos Santos
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