terça-feira, 18 de maio de 2010

Humor sob o risco da piada


Quase sempre encontro com 28 no ponto. Ele pega o 433, enquanto eu vou de 232, pra ficar na cidade, saltar na Candelária. Um dia desses me pediu meu e-mail, que queria me mandar umas críticas.


"Fomos criados juntos, jogamos bola na Senador, seguimos a vida, tua filha já tá quase com 20 anos fazendo faculdade junto com você, porra, meu irmão, vê se melhora..."


Deixei passar o 232, esperei que concluísse.


"Aquele teu blog tá muito retardado. Humor é uma coisa, palhaçada é outra. Futebol, meu irmão, não dispensa o humor, aliás, nada dispensa, mas se for pra fazer gracinha deixa na mão dos engradados como você costuma escrever. Te mando um e-mail, vou nessa."


Logo atrás do 433, do 28, veio o 232. Já de tarde recebia o seguinte e-mail:



"Às vezes o humor necessita explicação, sob o risco de se cancelar por piada. Não negue a história. Seu estudo é indispensável, pois, na tua idade, não cabe mais o sentido iluminista da vida. O prazer da leitura tem que ser útil, combinar-se, no estudo da história, particularmente dos mecanismos das relações materiais, com o fato econômico que, de resto, tem sempre a última palavra.

Mannheim debruçou-se sobre Marx, na hipótese de uma sociologia do conhecimento, em que vulgariza à exaustão a dialética infraestrutura e superestrutura. Mas, em poucas palavras de um ensaio, cuja função, de fato, é apontar hipóteses, não esgotar o assunto, o grande Walter Benjamin - a quem outro dia você citou no blog - não perde tempo com primarismo e faz a citação da superestrutura como um epifenômeno apenas em um parágrafo, logo no início de "A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução". Repare neste ensaio de Benjamin, que tentava entender o cinema como um epifenômeno típicamente industrial, só possível na era dos grandes sistemas de produção em massa, um caminho que também poderia levar ao futebol, à importância de sua apropriação pela cultura brasileira, à participação de todos os elementos deformantes do sentido de se ser brasileiro na organização de uma economia na qual teriam de se arranjar, permitindo uma análise privilegiada do verdeiro fenômeno de massas em movimento material e dialético. Então, eu lhe pergunto: cabe deixar ao jornalismo, um expediente de vulgarização do senso comum, ainda pior nos engradados da imprensa esportiva, aspecto tão rico e decisivo das relações materiais brasileiras?
Não, meu irmão, o futebol é, de fato, objeto.

Quanto ao texto que me cobra, discordo. Ao invés de gracinha, palhaçada pra divertir classe média ao arrepio do "choque de ordem", você deveria abrir esse blog pro Nylon. Há nele um aspecto que te falta. Vem dele uma contribuição que a você é impossível. É muito mais fácil ao Nylon adquirir referenciais teóricos, fecundar uma visão que, infelizmente, pequeno burguês de Vila Isabel, você não tem. . Prefiro as deficiências de discurso do Nylon, na plasticidade daquele funk que a tua filha gosta.

Desculpe-me se o ofendi com minha falta de polidez característica.

Ninguém passa incólume à formação que recebeu. E o que esperar, de resto, de quem cujo pai botava querosene nas feridas de quando se machucava na rua?


SRN

28"


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